A gravidez é a etapa do ciclo de vida da mulher que antecipa processos de adaptação a uma nova situação – ser mãe (DGS, 2015) e o Mindfulness pode ser um extraordinário aliado, mas já lá iremos. Esta fase da vida da mulher consiste num processo natural e fisiológico que nos reconta a história da humanidade e que, na maioria das mulheres é acompanhada por mudanças e desafios físicos e psicológicos que a colocam numa posição de maior vulnerabilidade (DGS, 2005; Walker et al., 2022).
A visão dicotómica, da gravidez e do parto, como “natural” ou “médica”, pode limitar as possibilidades que se enquadrem, exclusivamente, na filosofia que a mulher defende (Yuill et al., 2020). Ao descartar outros possíveis desfechos, poderá defraudar as suas expectativas e por isso, considerar a sua experiência de nascimento, negativa.
Intervenientes no desfecho do parto
Associada à maternidade têm-se verificado grandes mudanças e ajustes ao pensamento crítico, com forte influência do movimento “Medicina Baseada na Evidência”, que se intensificou nos anos 90’. Presume-se então, que a tomada de decisão dos profissionais de saúde devam ter por base princípios éticos e científicos que promovam melhores desfechos contando-se, sobretudo, com a qualidade da evidência científica que os suporta. Por outro lado, espera-se que a mulher assuma escolhas devidamente informada, sabendo-se que estas irão estar alinhadas, de forma consciente ou inconsciente, com a sua filosofia de nascimento. No entanto, ao conceder-se maior autonomia à mulher retira-se do centro da tomada de decisão final o julgamento intuitivo do clínico.
Será que na realidade a mulher tem esse direito plenamente assegurado?
Primeiro, a mulher necessita saber que pode e deve exigir cuidados respeitadores que assegurem a sua escolha livre e esclarecida, assim como perceber que nem todas as instituições ou profissionais de saúde são permeáveis a essas decisões. Em segundo, mas não menos importante, urge a necessidade de auto-análise por parte das instituições e profissionais de saúde, quanto à real flexibilidade e aceitação das decisões tomadas pela mulher, seja em contexto hospitalar, seja domiciliar (Yuill et al., 2020). Isto porque, inerente aos cuidados prestados, mesmo que baseados na evidência, estão implícitos a opinião pessoal, a intuição e o passado clínico do profissional de saúde/instituição.
Relativamente ao meio hospitalar, sabe-se que depositar maior confiança nas experiências das mulheres e respeitar a sua autonomia e integridade corporal, permitirá avançar não só na restruturação dos serviços de maternidade, como nas relações interprofissionais existentes (Yuill et al., 2020).
A literatura diz-nos que os momentos mais culpabilizantes nesta fase da vida da mulher são o tipo de parto, a amamentação e a gestão entre os papéis pré-existentes com os que surgem com a maternidade (Coates et al., 2014). Não será de estranhar então, que associada à maternidade vejamos implícito o sentimento de culpa.
”Culpa por não se sentir como “deveria”; pelo que fez ou deixou de fazer; porque a sua forma física não está como a das mães das redes sociais; porque deveria amamentar, ou deveria tê-lo feito por mais tempo, ou menos tempo; culpa por sentir que as necessidades do marido foram para o fim da lista de prioridades; por passar pouco tempo com os seus filhos; ou porque voltou para o trabalho mas não se consegue concentrar.
Destaca-se ainda, o facto deste sentimento ser reconhecido e considerado como sendo algo esperado e com caráter normativo por parte da mulher e, até pela própria sociedade que acaba por o condicionar direta ou indiretamente (Tiidenberg & Baym, 2017).
Pois é, situações acontecem e vão continuar a acontecer, e quanto a isso não podemos fazer nada. A forma como as interpretamos (“interpret”) e o que fazemos (“ação”) com elas é que é da nossa inteira responsabilidade.
Lembre-se: a sua mente conta-lhe histórias e “gosta” de estar onde não está
O mindfulness permite trazer mais consciência aos tipos de pensamentos e emoções que vai tendo, reduzindo o seu impacto e controlo sobre a sua vida. Não é parar ou mudar os pensamentos, mas deixá-los ir. Quando a culpa surgir, com ou sem motivo, poderá optar por percebê-la sem se deixar envolver por ela, voltando para o momento presente na sua vida, sem julgamento. Por exemplo, convide-se a desacelerar, faça respirações profundas, um alongamento suave e observe as sensações no seu corpo (deixe os ombros cair e suavize a mandíbula e a testa), olhe ao seu redor e observe o que vê envolvendo todos os sentidos.
Permita que a sua consciência descanse por alguns momentos e seja generosa consigo, como seria para a sua melhor amiga se estivesse a passar pela mesma situação que você. À medida que for praticando irá desenvolver uma experiência de maternidade mais consciente, percebendo que está a ser a sua melhor versão, uma mãe “suficientemente boa” para o seu filho. Recorde-se que “informação não é sinónimo de saber, praticar é sinónimo de saber” (Donegan et al., 2022). Por isso pratique!
Sabe o que desenvolve em si, sempre que pratica a atenção plena?
Resiliência emocional. Segundo a American Psychological Association, esta possui uma natureza dinâmica e modificável como resposta adaptativa às adversidades ao longo da vida, surgindo como fator de proteção e prevenção no desenvolvimento e recorrência de sintomas de depressão.
De forma consistente, a literatura tem revelado que o treinamento da resiliência com base numa combinação de mindfulness e habilidades cognitivo-comportamentais, a condicionam positivamente ao promoverem a flexibilidade psicológica e a atenção plena (Walker et al., 2022). Então, se os efeitos do mindfulness proporcionam alterações neurológicas importantes no cérebro humano, o que podemos desenvolver com esta prática durante a gravidez, pode ser a resposta à “pergunta que não quer calar”. Sim, também você poderá viver uma experiência de maternidade positiva! Através desta prática aprenderá a evitar sentimentos de fuga, a ser mais recetiva e responsiva, a ter uma atitude mais flexível, a sentir-se mais relaxada, alerta e ativa com o propósito de aceitação da realidade, passando de “paciente” a “agente” da sua História de Maternidade (Donegan et al., 2022; Walker et al., 2022).
Referências bibliográficas
Coates, R., Ayers, S. e de Visser, R. (2014). Experiências de sofrimento pós-natal das mulheres: um estudo qualitativo. BMC Gravidez Parto , 14 , 359. https://doi.org/10.1186/1471-2393-14-359
DGS. (2005). Promoção da Saúde Mental na Gravidez e Primeira Infância – Manual de orientação para profissionais de saúde. In.
DGS. (2015). Programa Nacional para a Vigilância da Gravidez de Baixo Risco. In. Lisboa.
Donegan, T., Barros, M., Aguiar, M., Campos, C., Barros, C., & Magalhães, A. (2022). Gentlebirth – Seu Parto Positivo Começa Aqui. GentleBirth Brasil.
Tiidenberg, K. e Baym, NK (2017). Aprenda, compre, trabalhe: gravidez intensiva no Instagram. Mídias Sociais + Sociedade , 3 (1), 2056305116685108. https://doi.org/10.1177/2056305116685108
Walker, AL, Witteveen, AB, Otten, RHJ, Verhoeven, CJ, Henrichs, J., & de Jonge, A. (2022). Intervenções para aumentar a resiliência para sintomas depressivos pré-parto: revisão sistemática. BJPsych Open , 8 (3), e89. https://doi.org/10.1192/bjo.2022.60
QUEM. (2018). Recomendações da OMS: cuidados intraparto para uma experiência de parto positiva . Obtido em https://www.who.int/publications/i/item/9789241550215
Yuill, C., McCourt, C., Cheyne, H., & Leister, N. (2020). Experiências femininas de tomada de decisão e escolha informada sobre cuidados com a gravidez e o parto: uma revisão sistemática e metassíntese de pesquisa qualitativa. BMC Gravidez Parto , 20 (1), 343. https://doi.org/10.1186/s12884-020-03023-6